terça-feira, 29 de maio de 2007

Melancolia







Correu calmo o dia , entre memórias de um tempo que passou e a miragem de um futuro que não chegará nunca .
Da janela , a paisagem mudava continuamente à medida que o comboio , ágil , galgava o espaço , juntando os lugares .
Lisboa estava já ali e o passado quis por instantes ligar-se ao presente.

Escorreu uma lágrima de raiva e outra de decepção enquanto o passo firme se apressava em direcção ao destino.

O rio depressa se abriu ao mar e os pensamentos vogaram para a linha do horizonte deixando o Bugio na sua solidão de sempre.
De novo o comboio , Cruz Quebrada , Algés, Belém, Alcântara , Santos e o Cais do Sodré ; o tempo cai lento numa cidade apressada , mas é preciso um autocarro rápido para um tempo curto e uma vez mais o comboio.
Lisboa ficará consigo mesma e os seus habitantes .
Duas amigas rindo -se , cúmplices , dos namoros em flôr enquanto a paisagem corre outra vez em sequência cinematográfica.
A resplandecente luz do sol entra pela janela do comboio , sentando - se a a meu lado.

domingo, 27 de maio de 2007

Chuva miúda









Cai , miúda , a chuva .
Um temor acinzenta o coração .
A memória traz-me a luz dos teus olhos e a alegria da tua voz ;
enche –se então o silêncio de melodia e o cinzento de cor .
A chuva miúda embala agora o sonho , renasce a esperança ...
o azul marinho apazigua os sentidos.

domingo, 13 de maio de 2007

Odores


Cai , apressado , o tempo do calendário , embora os pássaros , lá fora , continuem cantando tal como o faziam outrora nos campos da minha infância. Há , no ar , a Primavera de Maio , com os seus odores , sons e cores que entram pela janela aberta da sala da casa , onde o sofá acolhe estas palavras que caiem mornas de um cansaço de afazeres de Sábado. Aqui e ali , no meio do chilrear dos pássaros , um carro atravessa a paisagem dividindo - me entre o urbano e o rural deste lugar , que tento fazer outro e que talvez apenas exista dentro de mim.

Lá fora , no campo , crescem as flores espalhando cor pela vegetação que a Natureza , ou talvez Deus , distribuiu sem matemática ordenação.

Fátima


Houve hoje em Fátima , o culminar de mais uma cíclica peregrinação dos católicos , de muitas partidas do mundo, sempre especial , sempre emotiva , sendo que esta , comemorando os noventa anos das supostas aparições , terá porventura amplificado ainda mais os sentimentos de fé e de devoção daqueles muitos que hoje lá se deslocaram.


Acredite-se ou não , e no que representa , não serão muitos os que ficarão indiferentes ao extraordinário ambiente que se gera naquele local em dias como os de hoje , onde , do meio dos cânticos entoados por milhares de pessoas , terá perpassado, com certeza , um inexplicável e amplo silêncio.


Não estive lá hoje mas já lá me desloquei em outras ocasiões sendo levado , pela força e simbolismo do local, ao recolhimento e reflexão , tendo sido , então , invadido pelo vasto e misterioso silêncio.

Ajuda


" Se tirares do meio de ti toda a opressão,... se deres do teu pão ao faminto e matares a fome ao indigente , a tua luz brilhará na escuridão e a tua noite será como o meio-dia" (Is 58, 9-10)

Renovação











"... se o grão de trigo , lançado à terra , não morrer , não dará fruto..."

sexta-feira, 11 de maio de 2007

Em memória


Abro a porta e deixo que entre o amor, enquanto lá fora , a chuva cai de mansinho molhando a rua , apagando os rastos do dia , os silêncios , as esperas , as vozes que se levantaram e que nos confundiram.
Entre , então, sente-se junto a mim , aqui neste sofá madrepérola normalmente grande de mais para uma pessoa só e que consigo ao pé de mim ficará menos vazio desta solidão que assomou e parece não querer largar. Entre , vá , não faça cerimónia nem tema que eu me tente e me lance a si como leão a presa fácil .
Sente -se um pouco e conversemos sobre o barulho que a chuva faz ao cair no cimento e aproveitemos para lembrar o verde que vimos quando passeávamos pelos campos de ontem. Sente-se, ouça esta música que encontrei no baú da memória e deixe-se ir um pouco enquanto a chuva cai e molha o tempo , molha lentamente as ideias que cruzamos no ar que nos cerca e , quem sabe , fumemos um cigarro de que talvez nos iremos arrepender.Sente-se , vá , por um pouco , enquanto a chuva cai...

quarta-feira, 2 de maio de 2007

Morrer é preciso

Nós estamos acostumados a ligar a palavra morte apenas à ausência de vida e isso é um erro.
Existem outros tipo de morte e precisamos de morrer todo o dia.
A morte nada mais é do que uma passagem, uma transformação.
Não existe planta sem a morte da semente , não existe embrião sem a morte do óvulo e do esperma , não existe borboleta sem a morte da lagarta , isso é óbvio.
A morte nada mais é que o ponto de partida para o início de algo novo. A fronteira entre o passado e o futuro.
Se queres ser um bom universitário , mata dentro de ti o adolescente aéreo que acha que ainda tem muito tempo pela frente.
Queres ser um bom profissional?
Então mata dentro de ti o universitário descomprometido que acha que a vida se resume a estudar só o suficiente para fazer as provas .
Queres ter um bom relacionamento?
Então mata dentro de ti o jovem inseguro , ciumento , crítico , exigente , imaturo , egoísta , ou o solteiro solto que pensa que pode fazer planos sozinho , sem ter que dividir espaços , projecto e tempo com mais ninguém.
Queres ter boas amizades?
Então mata dentro de ti a pessoa insatisfeita e descomprometida que só pensa em si mesma. Mata a vontade de tentar manipular as pessoas de acordo com a tua conveniência , respeita os teus amigos , colegas de trabalho e vizinhos enfim , todo o processo de evolução exige que matemos o nosso "eu" passado , inferior.
E qual o risco de não agirmos assim?
O risco está em tentarmos ser duas pessoa ao mesmo tempo , perdendo o nosso foco , comprometendo essa produtividade e , por fim , prejudicar o nosso sucesso.
Muitas pessoas não evoluem porque ficam agarradas ao que eram , não se projectam para o que serão ou desejam ser.
Elas querem a nova etapa sem abrir mão da forma como pensavam ou como agiam.
Acabam por se transformar em projectos inacabados , híbridos , adultos infantilizados.
Podemos até agir , às vezes , como meninos , de tal forma a mantermos as virtudes de criança que são também necessárias , como : brincadeira , sorriso fácil , vitalidade , criatividade , tolerância , etc.
Mas , se quisermos ser adultos , devemos necessariamente matar as atitudes infantis , para passarmos a agir como adultos.
Queres ser alguém – líder , profissional , pai ou mãe , cidadão ou cidadã , , amigo ou amiga – melhor e evoluído?
Então , do que precisas é matar em ti , ainda hoje , o " egoísmo " , o " egocentrismo " , para que nasça o ser que tanto desejas ser.
Pensa nisso e morre , mas não esqueças de nascer melhor ainda.
O valor das coisas não está no tempo em que elas duram , mas na intensidade com que acontecem.
Por isso existem momentos inesquecíveis , coisas inexplicáveis e pessoas incomparáveis.


por Paulo Angelim , arquitecto , in " Mais Luz " , Abril 2007