sexta-feira, 23 de novembro de 2007

A avançar está mas para onde...?

Desde muito novo que era na solidão que buscava as primeiras respostas às suas angústias. Era uma questão de carácter, um traço da sua personalidade. Em face de uma crise maior ou num momento de grande confusão mental e emocional, a primeira reacção que por norma tinha, era o isolamento, era o afastamento das outras pessoas. A ida para o silêncio introspectivo, habitualmente feito em locais sossegados, longe de todos, nem sempre resultava, é certo, mas estava de tal maneira inscrita no seu código genético que, digamos assim, constituía uma resposta instintiva, uma forma de defesa natural que o seu organismo usava, mais forte portanto que a sua racionalidade.
Rafael, no entanto, ao longo da vida, sempre tentara contrariar esta natural tendência para o isolamento e logo no colégio, em Aveiro, a sua cidade natal, participou activamente em actividades colectivas, tendo feito parte do dinâmico grupo de teatro que então existia, bem como fora membro destacado da equipa de atletismo da escola. Na “Centelha”, assim se chamava o Grupo de Artes Performativas e Cénicas que existia no colégio, viria a aprofundar e solidificar a relação com Rita, sua futura mulher e viria a encontrar e conhecer Jorge e Mónica, namorados então e seus amigos ainda hoje, quase trinta anos depois. Foram tempos extraordinariamente felizes para todos. Os quatro formavam um grupo de tal maneira inseparável e unido que chegavam ao ponto de ter ao mesmo tempo as mesmas doenças e as mesmas angústias púberes, o que intrigava deveras os seus progenitores, que não sabiam muito bem se não se trataria de um brincadeira ensaiada, possivelmente aprimorada pela prática levada muito a peito do teatro que faziam e por isso tinham sempre imensas dúvidas se os deveriam ou não levar a sério. Mas eles eram de tal modo convincentes naquela partilha que não deixavam alternativa aos pais. Se um dizia que tinha uma gripe, já se sabia que haveria mais três engripados e então, nestas alturas, alternadamente, ficavam todos em casa de cada um deles, o que fez apertar ainda mais a já estreita relação existente. Para além destes episódios, quase tudo o que faziam era em conjunto e na escola eram mesmo conhecidos pelo bando dos quatro numa alusão jocosa aos líderes chineses corridos do poder depois da morte de Mao.
Nascida nessa altura e alimentada ao longo do tempo, perdura ainda hoje uma especial e oxigenada relação de amizade com Jorge, seu grande amigo, confidente e cúmplice e, também estabelecida nessa altura, vem até hoje uma ligação insubstituível e singular a Mónica, mulher de uma sensibilidade fora do comum e de um anormal jeito para o desenho mas de um feitio peculiar e um tanto irascível que viria mais tarde a tornar – se pintora e, dando continuidade ao seu gosto e aptidão ao teatro, encenadora.
Jorge e Mónica namoraram durante muito tempo mas tiveram quase sempre uma conflituosa relação de amor que acabou, uns anos mais tarde, numa perturbante relação de ódio, cujas labaredas, hoje extintas, deixaram marcas, porventura inextinguíveis, em muitas outras pessoas para além deles os dois.

Já na estrada, a caminho do seu refúgio, seu porque talvez fosse muito mais dele do que dos dois, era por esta época da sua vida que os seus atormentados e voláteis pensamentos maioritariamente se situavam, saltando entre o passado e o presente a uma velocidade inimaginável, criando uma espécie de nevoeiro dentro da sua cabeça que lhe afectava os sentidos, principalmente o da visão , quase o incapacitando de conduzir convenientemente , isto é , sem pôr em perigo , a sua vida e a dos outros .
Deixara de fumar há já uns bons anos e, estranhamente, procurou no porta-luvas um maço de cigarros que sabia não poder existir. O carro ia vencendo a distância, mecanicamente, como se estivesse a ser pilotado automaticamente e a paisagem entrava, algo indiferente, pelo pára-brisas.
Subitamente o telemóvel começa a tocar! Ao princípio, tão absorto estava, que mal deu conta. O toque durou uns duradouros segundos até que ele se desse nota mas finalmente decide atender:

- Estou sim. - responde em voz apagada.


A palavra à STAR

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