sábado, 24 de fevereiro de 2007

O silêncio


O silêncio inundara - lhe o espaço , tal como agora o branco preenche quase por completo esta tela onde , devagar , as palavras vão avançando na vã esperança de o fazer esquecer essa ausência em que de vez em quando mergulha , como um autista.
A verdade é que já não tem o silêncio que ainda há momentos o inspirara e o fizera erguer - se do sofá solitário onde , tentando descansar , se encontrava sentado e o encaminhara até aqui , ao seu computador que , ao espalhar um incessante ruído semelhante ao de uma pequena turbina , eliminou a possibilidade da audição de qualquer silêncio.
Desde que quebrara os óculos , companheiros de há quase cinco anos , que deixara de ser o mesmo , como se esse pequeníssimo acidente tivesse determinado uma inflexão ao rumo normal do seu quotidiano com consequências sentidas ainda no momento presente.
Apaga o cigarro , esmigalhando - o firmemente contra o cinzeiro de barro vidrado , num gesto curto que se esvanece logo depois .Olha em redor da sala , deparando-se de novo com um silêncio espesso e penetrante que lhe toca bem junto da coluna vertebral , deixando - o suspenso num vazio estranho e aparentemente sem saída. Não obstante , procura retirar do ambiente a inspiração suficiente para o fazer teclar as palavras que lhe permitam exprimir o que sente a atravessar a sua alma um tanto desolada em consequência dos actos que ao longo da sua vida foi tomando . O seu corpo parece querer anunciar uma nova etapa da existência , que não conhece , apenas desconfia , que sabe ir acontecer mas que não pode de momento dizer ou adivinhar como realmente irá ser.
A pré anunciação do desaparecimento final sempre foi matéria que o perturbou e , desde cedo , essa ideia o tem acompanhado , tornando - se por vezes quase como a única amiga , por estranho que isso possa parecer , dos momentos difíceis.

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