domingo, 25 de fevereiro de 2007

Inês



Parecerá ridículo ou será porventura mesmo ridículo , que nesta era da informação " on - line " e da Internet ainda se escrevam cartas e será definitivamente ridículo se essas cartas forem cartas de Amor. Mas como disse F. Pessoa : " todas as cartas de amor são ridículas... !".
Mas afinal que mal poderá fazer uma simples carta, que num só gesto se amarrota e se atira para o lixo... ? !
Apesar desse risco , não resisto a esta tentação de aqui me sentar e dedilhar estas linhas enquanto penso em ti e te imagino ao pé de mim , enigmática e bela , silenciosa e perturbante , inspiradora de um silêncio apaziguador capaz de me transportar para uma galáxia longínqua.
Imagino - te como te vi pela ultima vez , vestida de preto , com os teus bonitos cabelos pretos , tranquila e misteriosa , caminhando sobre um lago de mel , num entardecer magnífico e extenso.
A Primavera , a sua proximidade , como sabes , transforma a Natureza e transforma – nos apesar dos estranhos tempos que hoje se vivem , há ciclos que se repetem , cheiros e sons que retornam , renovados , emoções que se reacendem , sentimentos que de novo florescem quando pensávamos já terem desaparecido.
Assim é comigo , que á força de uma solidão não convidada , por vezes convidativa , me fui tornando num ser humano menos completo , mais egoísta e fechado , mas apesar disso ainda vulnerável ao pólen do amor , capaz de ser transformado pelos naturais ritmos da natureza.
Inês , de quem quase nada conheço , para lá da perturbante aparência , mas por quem , o meu coração , numa fugaz e efémera noite , foi tocado , atingido pela seta do julgado desaparecido Cúpido.
Que pensarás tu a esta hora , deste escriba que mal conheces , com devaneios de adolescente ?!... Será que vais continuar a ler estas linhas em silêncio ou , rindo , irás comentar com alguém , ao telefone, o despropósito que cometi ?! .... Ou será que, vigorosamente , amarfanharás esta carta e com desdém deita - lá - ás ao lixo ?!...Ou , nada disto em que estou a pensar , acontecerá ?!...

Levanto - me com a lembrança da tua imagem tão presente que quase conseguia trazer - te para o pé de mim e te poderia tocar . Ponho os chinelos , passo na cozinha para me acalentar num pão com fiambre e queijo , bebo uma chávena de leite com café e caminho até á sala onde me sento no sofá de sempre , eleito a poltrona de um rei sem trono.
Está uma magnífica tarde de Fevereiro , dona de um sol resplandecente a que me rendo , como um soldado reconhecendo a vitória do mais poderoso e a quem se submete num instinto de sobrevivência . Acendo um cigarro , estico as pernas , pouso os pés em cima do "puf " , numa atitude habitual e corriqueira e deixo que os pensamentos tomem conta de mim , como se de um náufrago se tratasse. A tua imagem ergue - se entre o fumo do cigarro que expiro , nos céus , entre as nuvens , pairando, linda de morrer com esses magníficos cabelos cor de azeviche, mulher de um ar fatalmente perturbante e de uma aura misteriosa.
Agarro a mão que me estendes , enleio - te de seguida e começamos uma dança sem música , entre os raios de sol , por onde rodopiamos suavemente , numa harmonia espontânea , indizível e sem palavras.

Sem comentários: